sexta-feira, 19 de setembro de 2014

História do órgão: Reintrodução do órgão na Europa durante a Idade Média e o início da sua utilização em igrejas


Primeiros órgãos a chegar à Europa


Após o seu desaparecimento e esquecimento, que se consumou durante o período que sucedeu à queda do Império Romano do Ocidente, é a partir do Império Romano do Oriente e do mundo Árabe, nomeadamente do Império Abássida, que o órgão terá sido reintroduzido na Europa durante a Idade Média, por volta de meados do século VIII.
Assim, O mais antigo órgão a ser utilizado no ocidente durante a Idade Média, de que há registo nos documentos históricos, é o órgão pneumático portátil que o imperador de Bizâncio Constantino V ("Coprónimo") enviou a Pepino, "o Breve" (ou "o Pequeno"), rei dos Francos,  em 755 ou 757, que terá sido colocado no mosteiro de S. Cornélio, em Compiègue.



Coroação de Pepino, o Breve, em 751 conduzida por São Bonifácio. Pepino receberia alguns anos mais tarde um órgão de Constantino V, imperador de Bizâncio. Fresco francês - Fonte


O segundo órgão a ser referenciado no ocidente é aquele que Harun Al-Rashid, o califa abássida de Bagdad, terá oferecido a Carlos Magno juntamente com muitas outras oferendas de grande valor. No entanto, não há certezas quanto à veracidade deste facto, podendo tratar-se apenas de um mito.



Relógio de água que foi oferecido por Harun Al-Rashid, califa abássida de Bagdad, a Carlos Magno. Há registos históricos, de cuja veracidade não há certezas, que incluem um órgão no lote das oferendas do califa a Carlos Magno.
Ilustração de Claudius Saunier em A história da arte de medição do tempo, Emil Hübner Verlag, Bautzen (1903)
- Fonte



Início da utilização dos órgãos nas igrejas



Durante os séculos VIII e IX o órgão ter-se-á espalhado, sobretudo pelas igrejas e basílicas da Europa e do Médio Oriente, começando gradualmente a ser utilizado durante as cerimónias religiosas como instrumento de suporte dos cânticos litúrgicos.
Estes cânticos, que eram sobretudo vocais e de transmissão oral, e constituíam o repertório mais usado na música da Idade Média, variavam na sua interpretação de acordo com a região e os contextos religioso e sócio-cultural. De entre os aspectos religiosos destacam-se os diferentes ritos praticados na Europa e Médio Oriente, como é o caso do rito bizantino (Ásia Menor e Médio Oriente), rito gelasiano (Alemanha), e rito moçárabe (Península Ibérica).

Uma das primeiras referências nos documentos históricos relativas à introdução dos órgãos nas igrejas é feita por Bartolomeo Platina, historiador e escritor humanista do renascimento, no seu Lives of the Popes, (c. 1475) em que indica o nome do papa Vitalianus, que pontificou entre 683 e 697, como responsável pela introdução:

"But Vitalianus, being intent upon sacred things, composed ecclesiastical canons, and regulated singing in the church, introducing organs to be used with the vocal music" (tradução por Rycault)

Papa Vitalianus, que pontificou entre 657 e 672, e que terá sido o precursor da introdução do órgão nas igrejas. - Fonte

 
No entanto, esta tentativa do papa Vitalianus para introduzir o órgão nas igrejas terá sofrido oposição e só cerca de um século mais tarde é que os primeiros órgãos terão sido instalados nas igrejas e usados como apoio aos cânticos litúrgicos.

O primeiro órgão a ser instalado e utilizado numa igreja talvez tenha sido o que o califa Harun Al-Rashid terá oferecido a Carlos Magno. Este órgão terá sido instalado na catedral de Aix-la-chapelle, na Alemanha, entre 790 e 814, e terá sido utilizado mesmo com a forte oposição do clero.


Carlos Magno, "o Grande", rei dos Francos e imperador do Ocidente, que terá ordenado a instalação de um órgão na catedral de Aix-la-chapelle, o qual terá sido o primeiro órgão a ser instalado numa igreja na Europa medieval. Pintura do pintor e matemático alemão, Albrecht Durër, de 1512. Museu Nacional Germânico, Nuremberga, Alemanha - Fonte


Catedral de Aix-la-Chapelle situada em Aquisgrão, na Alemanha, a mais antiga do norte da Europa, mandada erigir em 790 por carlos Magno, onde está sepultado, e onde terá sido sido utilizado pela 1ª vez um órgão acompanhando os cânticos litúrgicos - Fonte 1 Fonte 2


Há também relatos nos Anais de Ulster (c. 431-1540) relativos à destruição pelo fogo de um órgão na igreja de Clooncraff, Roscommon, Irlanda em 814, o que indicia que o órgão terá chegado à Irlanda logo no período inicial do seu ressurgimento na Europa.

O primeiro órgão a ser utilizado nas igrejas de Roma parece ter sido o que foi requisitado pelo papa João VIII, que pontificou entre 872 e 882. Uma vez que os melhores fabricantes de órgãos da Europa nesta altura se encontravam na França e na Alemanha, segundo o livro L'art du facteur d'orgues de Dom Bédos de Celles, um monge beneditino do século XVIII que foi um mestre na arte de construir órgãos, o papa terá pedido a Anno, bispo de Friesingen na Bavária, Alemanha, para que lhe fosse enviado o melhor órgão que conseguissem fazer, assim como um organeiro (construtor de órgãos) que fosse também um organista dotado, capaz de tocar qualquer música que lhe fosse pedida e de ensinar a sua técnica aos futuros organistas de Roma. Terá sido a partir desta altura que a arte de construir e tocar órgãos se espalhou pelos monges de Itália e do resto da Europa, e que a presença de órgãos nas igrejas e catedrais se começou a tornar comum.


Papa João VIII, que pontificou entre 872 e 882, e que terá sido responsável pelo início da utilização do órgão nas igrejas de Roma (o centro da cristandade) e do resto da Itália, e pelo espalhar da arte de construir e tocar órgãos pelos monges da Europa - Fonte


Outro dos órgãos mais antigos de que há registo, a ter sido usado em igrejas durante a Idade Média, trata-se do famoso órgão da catedral de Winchester, em Inglaterra, que terá sido construído por volta de 990 e cuja descrição feita pelo monge beneditino Wulfstan, num poema em latim, sobreviveu até hoje. Segundo o poema, o órgão de Winchester seria de grandes dimensões, com 400 tubos, 26 foles que necessitavam de cerca de 14 homens para serem accionados, e seriam precisos 2 organistas para ser tocado.

Catedral de Winchester, em Inglaterra, onde foi instalado, por volta de 990, um famoso órgão de grandes dimensões - Fonte 1 Fonte 2

A utilização do órgão nas igrejas foi gradual e contou sempre com a oposição de algumas figuras proeminentes do clero, nunca chegando a ser utilizado, por exemplo, na igreja ortodoxa grega. Mas sendo o órgão, a partir de certa altura, na Europa, o único instrumento permitido em cerimónias religiosas nas igrejas, a popularidade deste instrumento terá aumentado rapidamente, sobretudo a partir dos séculos XIII e XIV, tanto na música sacra como na música secular.
Mesmo assim, houve sempre vozes dissonantes que se opunham à utilização do órgão e de outros instrumentos nos cânticos e cerimónias litúrgicas. De facto, no Concílio de Trento, que decorreu entre 1545 e 1546 em Trento e em Bolonha, na Itália, houve mesmo uma moção, que não foi aprovada, para a sua proibição.


Concílio de Trento (1545-10546) no qual for proposta uma moção, que foi rejeitada, para proibir a utilização do órgão nas igrejas. Pintura de Pasquale Cati (1588) pertencente à basílica de Santa Maria em Trastevere, Roma, Itália - Fonte



Mais informação sobre o órgão neste blogue


Bibliografia