Primeiros órgãos a chegar à Europa
Após o seu desaparecimento e esquecimento, que se consumou durante o período que sucedeu à queda do Império Romano do Ocidente, é a partir do Império Romano do Oriente e do mundo Árabe, nomeadamente do Império Abássida, que o órgão terá sido reintroduzido na Europa durante a Idade Média, por volta de meados do século VIII.
Assim, O mais antigo órgão a ser utilizado no ocidente durante a Idade Média, de que há registo nos documentos históricos, é o órgão pneumático portátil que o imperador de Bizâncio Constantino V ("Coprónimo") enviou a Pepino, "o Breve" (ou "o Pequeno"), rei dos Francos, em 755 ou 757, que terá sido colocado no mosteiro de S. Cornélio, em Compiègue.
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Coroação de Pepino, o Breve, em 751 conduzida por São Bonifácio. Pepino receberia alguns anos mais tarde um órgão de Constantino V, imperador de Bizâncio. Fresco francês - Fonte |
O segundo órgão a ser referenciado no ocidente é aquele que Harun Al-Rashid, o califa abássida de Bagdad, terá oferecido a Carlos Magno juntamente com muitas outras oferendas de grande valor. No entanto, não há certezas quanto à veracidade deste facto, podendo tratar-se apenas de um mito.
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Relógio de água
que foi oferecido por Harun Al-Rashid, califa abássida de Bagdad, a
Carlos Magno. Há registos históricos, de cuja veracidade não há
certezas, que incluem um órgão no lote das oferendas do califa a Carlos
Magno.
Ilustração de Claudius Saunier em A história da arte de medição do tempo, Emil Hübner Verlag, Bautzen (1903)
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Início da utilização dos órgãos nas igrejas
Durante os séculos VIII e IX o órgão ter-se-á espalhado, sobretudo pelas igrejas e basílicas da Europa e do Médio Oriente, começando gradualmente a ser utilizado durante as cerimónias religiosas como instrumento de suporte dos cânticos litúrgicos.
Estes cânticos, que eram sobretudo vocais e de transmissão oral, e constituíam o repertório mais usado na música da Idade Média, variavam na sua interpretação de acordo com a região e os contextos religioso e sócio-cultural. De entre os aspectos religiosos destacam-se os diferentes ritos praticados na Europa e Médio Oriente, como é o caso do rito bizantino (Ásia Menor e Médio Oriente), rito gelasiano (Alemanha), e rito moçárabe (Península Ibérica).
Uma das primeiras referências nos documentos históricos relativas à introdução dos órgãos nas igrejas é feita por Bartolomeo Platina, historiador e escritor humanista do renascimento, no seu Lives of the Popes, (c. 1475) em que indica o nome do papa Vitalianus, que pontificou entre 683 e 697, como responsável pela introdução:
"But Vitalianus, being intent upon sacred things, composed ecclesiastical canons, and regulated singing in the church, introducing organs to be used with the vocal music" (tradução por Rycault)
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Papa Vitalianus, que pontificou entre 657 e 672, e que terá sido o precursor da introdução do órgão nas igrejas. - Fonte |
No entanto, esta tentativa do papa Vitalianus para introduzir o órgão nas igrejas terá sofrido oposição e só cerca de um século mais tarde é que os primeiros órgãos terão sido instalados nas igrejas e usados como apoio aos cânticos litúrgicos.
O primeiro órgão a ser instalado e utilizado numa igreja talvez tenha sido o que o califa Harun Al-Rashid terá oferecido a Carlos Magno. Este órgão terá sido instalado na catedral de Aix-la-chapelle, na Alemanha, entre 790 e 814, e terá sido utilizado mesmo com a forte oposição do clero.
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Carlos Magno, "o Grande", rei dos Francos e imperador do Ocidente, que terá ordenado a instalação de um órgão na catedral de Aix-la-chapelle, o qual terá sido o primeiro órgão a ser instalado numa igreja na Europa medieval. Pintura do pintor e matemático alemão, Albrecht Durër, de 1512. Museu Nacional Germânico, Nuremberga, Alemanha - Fonte |
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Catedral de Aix-la-Chapelle situada em Aquisgrão, na Alemanha, a mais antiga do norte da Europa, mandada erigir em 790 por carlos Magno, onde está sepultado, e onde terá sido sido utilizado pela 1ª vez um órgão acompanhando os cânticos litúrgicos - Fonte 1 Fonte 2 |
Há também relatos nos Anais de Ulster (c. 431-1540) relativos à destruição pelo fogo de um órgão na igreja de Clooncraff, Roscommon, Irlanda em 814, o que indicia que o órgão terá chegado à Irlanda logo no período inicial do seu ressurgimento na Europa.
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Papa João VIII, que pontificou entre 872 e 882, e que terá sido responsável pelo início da utilização do órgão nas igrejas de Roma (o centro da cristandade) e do resto da Itália, e pelo espalhar da arte de construir e tocar órgãos pelos monges da Europa - Fonte |
Outro dos órgãos mais antigos de que há registo, a ter sido usado em igrejas durante a Idade Média, trata-se do famoso órgão da catedral de Winchester, em Inglaterra, que terá sido construído por volta de 990 e cuja descrição feita pelo monge beneditino Wulfstan, num poema em latim, sobreviveu até hoje. Segundo o poema, o órgão de Winchester seria de grandes dimensões, com 400 tubos, 26 foles que necessitavam de cerca de 14 homens para serem accionados, e seriam precisos 2 organistas para ser tocado.
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Catedral de Winchester, em Inglaterra, onde foi instalado, por volta de 990, um famoso órgão de grandes dimensões - Fonte 1 Fonte 2 |
A utilização do órgão nas igrejas foi gradual e contou sempre com a oposição de algumas figuras proeminentes do clero, nunca chegando a ser utilizado, por exemplo, na igreja ortodoxa grega. Mas sendo o órgão, a partir de certa altura, na Europa, o único instrumento permitido em cerimónias religiosas nas igrejas, a popularidade deste instrumento terá aumentado rapidamente, sobretudo a partir dos séculos XIII e XIV, tanto na música sacra como na música secular.
Mesmo assim, houve sempre vozes dissonantes que se opunham à utilização do órgão e de outros instrumentos nos cânticos e cerimónias litúrgicas. De facto, no Concílio de Trento, que decorreu entre 1545 e 1546 em Trento e em Bolonha, na Itália, houve mesmo uma moção, que não foi aprovada, para a sua proibição.
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Concílio de Trento (1545-10546) no qual for proposta uma moção, que foi rejeitada, para proibir a utilização do órgão nas igrejas. Pintura de Pasquale Cati (1588) pertencente à basílica de Santa Maria em Trastevere, Roma, Itália - Fonte |
Mais informação sobre o órgão neste blogue
Bibliografia
- Organ (The New Grove Musical Instruments Series), Peter F. Williams (1988);
- The Story of the Organ, C. F. Abdy Williams (1903);
- The Organ (Encyclopedia of Keyboard Instruments), Douglas Earl Bush, Richard Kassel, Psychology Press (2006);
- The Organ, David Baker, Osprey Publishing (2003);
- Instrumental Music In Worship, Wayne Wells;
- The Organ: Its History and Construction, Edward Hopkins, Edward Francis Rimbault (1870).